Romanica Olomucensia 2021, 33(2):275-287 | DOI: 10.5507/ro.2021.019

Maria Firmina dos Reis: a literatura subversiva de uma mulher negra contra a escravidão no brasil do século XIX

Susan de Oliveira
Universidade Federal de Santa Catarina, Brazil

O cânone literário brasileiro ignorou por mais de um século o nome de Maria Firmina dos Reis, a primeira mulher negra a escrever um romance abolicionista no Brasil, ainda em plena ordem escravocrata: Úrsula (1859). Maria Firmina dos Reis também foi autora de contos e poesias e ainda do romance Gupeva (1861-1862). Ademais, Maria Firmina dos Reis destacou-se como uma intelectual que desafiava a ordem patriarcal, tendo trabalhado no âmbito do magistério com ideias inovadoras para a época. Com o intuito de discutir a ausência de Maria Firmina dos Reis no cânone literário brasileiro, no presente artigo foram analisados aspectos da vida da autora, características da sua obra, textos e documentos do século XIX e se dialogou com as pesquisas mais recentes que identificaram motivos históricos e políticos para o desconhecimento da autora na recente historiografia literária brasileira. Ficou evidenciado que a ausência de Maria Firmina dos Reis na produção discursiva da historiografia literária não só se limitou ao próprio contexto da negação dos direitos civis da população negra durante a escravidão no Brasil, no século XIX, senão também atingiu os afrodescendentes no século XX, bem após a Lei Áurea (1888). Em conclusão, a análise da obra de Maria Firmina dos Reis permite destacar seu posicionamento crítico perante a sociedade escravocrata e o uso de recursos narrativos de denúncia social, que propiciaram que ela se tornasse uma das precursoras da literatura afro-brasileira, a qual surgiu no período das revoltas abolicionaistas, mas recebeu, até época recente, pouca atenção por parte da crítica acadêmica.

Palavras-chaves: Maria Firmina dos Reis; literatura brasileira; literatura afro-brasileira; escravidão; abolicionismo

Maria Firmina dos Reis: the subversive literature of a black woman against slavery in 19th-century Brazil

For over a century, the Brazilian literary canon ignored the name of Maria Firmina dos Reis, the first black woman to write an abolitionist novel in Brazil, still in the midst of the slave order: Úrsula (1859). She was also the author of short stories and poetry, as well as the novel Gupeva (1861-1862). Maria Firmina dos Reis also stood out as an intellectual who challenged the patriarchal order, having worked in the area of education with ideas that were innovative for the time. In order to discuss the absence of Maria Firmina dos Reis from the Brazilian literary canon, this article analysed aspects of the author's life, characteristics of her work, and texts and documents of the nineteenth century and dialogued with more recent research that identified the historical and political reasons for the lack of knowledge of the author in recent Brazilian literary historiography. It was evidenced that the absence of Maria Firmina dos Reis from the discursive production of literary historiography was not only limited to the very context of the denial of civil rights of the black population during slavery in Brazil in the nineteenth century, but also reached the afrodescendants in the twentieth century, well after the Lei Áurea of 1888. In conclusion, the analysis of the work of Maria Firmina dos Reis allows us to highlight her critical position towards the slave society and the use of narrative resources of social denunciation, which allowed her to become one of the precursors of Afro-Brazilian literature, which emerged in the period of the abolitionist revolts, but received little attention from academic critics.

Keywords: Maria Firmina dos Reis; Brazilian literature; Afro-Brazilian literature; slavery; abolitionism

Received: June 30, 2021; Revised: June 30, 2021; Accepted: October 25, 2021; Published: December 31, 2021  Show citation

ACS AIP APA ASA Harvard Chicago Chicago Notes IEEE ISO690 MLA NLM Turabian Vancouver
de Oliveira S. Maria Firmina dos Reis: the subversive literature of a black woman against slavery in 19th-century Brazil. Romanica Olomucensia. 2021;33(2):275-287. doi: 10.5507/ro.2021.019.
Download citation

References

  1. Almeida, Silvio Luiz de (2018), O que é racismo estrutural?, Belo Horizonte: Letramento.
  2. Bhabha, Homi (1998), O Local da Cultura, tradução de Myriam Ávila, Eliana Reis e Gláucia Gonçalves, Belo Horizonte: UFMG.
  3. Blake, Sacramento (1990), Dicionário Bibliográfico Brasileiro, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional.
  4. Constituição Política do Império do Brasil (1824), Rio de Janeiro: Tipografia Nacional.
  5. Duarte, Eduardo de Assis (2010), «Literatura e afro-descendência», em Pereira, E. d. A. (ed.), Um tigre na floresta de signos, Estudos sobre poesia e demandas sociais no Brasil, Belo Horizonte: Mazza, 73-85.
  6. Duarte, Eduardo de Assis (2018), «Maria Firmina dos Reis e os Primórdios da Ficção Afro-brasileira», Portal Literafro [15/08/2021].
  7. Fonseca, Marcus Vinicius (2002), A educação dos negros: uma nova face do processo de abolição da escravidão no Brasil, Bragança Paulista: ESUSF.
  8. Lei do Ventre Livre (1871). «Lei nº 2040 de 28 de Setembro de 1871» [15/08/2021].
  9. Martins, Heitor (1996), «Luiz Gama e a consciência negra na literatura», Afro-Ásia 17, 87-97. Go to original source...
  10. Martins, Leda (2007), «A fina lâmina da palavra», O Eixo e a Roda: Revista de Literatura Brasileira 15, 55-84. Go to original source...
  11. Morais Filho, J. d. N. (1975), Maria Firmina dos Reis: fragmentos de uma vida, São Luiz: Comissão organizadora das comemorações de sesquicentenário de nascimento de Maria Firmina dos Reis.
  12. Muzart, Zahidé Lupinacci (2018), «Uma pioneira: Maria Firmina dos Reis», em Duarte, C. L. et al. (ed.), Maria Firmina dos Reis: faces de uma precursora, Rio de Janeiro: Malê, 21-37.
  13. Nascimento, Juliano Carrupt do (2018), «Uma pioneira: Maria Firmina dos Reis», em Duarte, C. L. et al. (ed.), Maria Firmina dos Reis: faces de uma precursora, Rio de Janeiro: Malê, 129-141.
  14. Oliveira, Susan de (2018), «Memórias milicianas: o racismo estrutural à brasileira», em Góes, L. (ed.), 130 anos de (des)ilusão, A farsa abolicionista em perspectiva desde olhares marginalizados, Belo Horizonte: Editora D'Plácido, 415-432.
  15. Pereira, Edimilson de Almeida (ed.) (2010), Um tigre na floresta dos signos, Estudos sobre poesia e demandas sociais no Brasil, Belo Horizonte: Mazza.
  16. Pinto-Baley, Cristina Ferreira (2018), «A Escrava, de Maria Firmina dos Reis», em Duarte, C. L. et al. (ed.), Maria Firmina dos Reis: faces de uma precursora, Rio de Janeiro: Malê, 103-111.
  17. Reis, Maria Firmina dos (2018), Úrsula e outras obras, Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara.
  18. Romero, Sílvio (1888), História da Literatura Brasileira, vol.1-2, Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional.
  19. Schwarcz, Lilia Moritz (1998), As barbas do Imperador D. Pedro II, um monarca dos trópicos, São Paulo: Companhia das letras.
  20. Souza, Roberto Acízelo de (ed.) (2017), Na aurora da literatura brasileira, Olhares portugueses e estrangeiros sobre o cânone literário nacional em formação (1805-1885), Rio de Janeiro: Ed. Caetés.
  21. Toledo, Rilza Rodrigues (2018), «Úrsula, de Maria Firmina dos Reis: arma de combate marcando a presença da mulher escritora na Literatura Brasileira», em Duarte, C. L. et al. (ed.), Maria Firmina dos Reis: faces de uma precursora, Rio de Janeiro: Malê, 143-155.
  22. Zin, Rafael Balseiro (2017), «Maria Firmina dos Reis e seu conto Gupeva: uma breve digressão indianista», Em Tese 14 (n. 1, jan./jun.), 31-45. Go to original source...